Juristas especializados em direito constitucional e processual afirmam que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que propõe o fim do foro privilegiado, chamada de “PEC do Foro Privilegiado” e “PECdo Bolsonaro”, não terá efeito retroativo para alterar a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-DF). Apesar do discurso de parlamentares aliados ao réu, que defendem a transferência da ação penal para a primeira instância, os especialistas destacam que regras processuais consolidam a aplicação da lei vigente no momento dos fatos, conforme o princípio tempus regit actum — o tempo rege o ato. Isso significa que, mesmo com a aprovação da PEC, a competência do STF seguiria intacta para processos já em curso, como o do ex-presidente.
O jurista Alexis Brito (professor de direito penal e processual penal na Mackenzie). Doutor em direito penal pela USP. PPS doutro pelas universidades de Salamanca e Coimbra.) Consultado na análise, explica que mudanças em leis ordinárias já permitiram, em casos passados, o redirecionamento imediato de processos para novas instâncias. No entanto, ressalta que uma emenda constitucional exige outro patamar de discussão, principalmente por afetar o princípio do juiz natural — garantia de que o julgador competente é aquele definido antes da ocorrência dos fatos. Para Brito, o STF já foi estabelecido como juiz natural no caso Bolsonaro, e alterar essa competência por meio de PEC violaria esse princípio, além de criar um precedente perigoso de interferência política em processos específicos.
Azor Lopes da Silva Júnior (Doutor em Sociologia Unesp, com pós-doutorado em hermenêutica jurídica Unesp, mestre em Direito pela UNIFRAN, especialista em Direito pela Unespe em Segurança Pública UFPR e PUC-RS. É advogado, professor de Direito, coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública), outro especialista reforça que normas processuais não retroagem. Ele lembra que a regra do tempus regit actum assegura que leis processuais só se aplicam a fatos posteriores à sua vigência. Portanto, mesmo que a PEC seja aprovada, a ação penal contra o ex-presidente continuaria no STF, já que os crimes alegados ocorreram sob a égide da Constituição atual. Lopes também questiona o timing da proposta, sugerindo que o objetivo real não é acabar com o foro privilegiado de forma ampla, mas criar uma narrativa de perseguição política e tentar preservar a elegibilidade de Bolsonaro em 2026.
Ambos os juristas concordam que, embora o debate sobre o foro privilegiado seja legítimo, sua instrumentalização para casos específicos desvia o foco de reformas estruturais necessárias. Eles alertam que decisões casuísticas podem fragilizar a segurança jurídica e a autonomia do Judiciário. Enquanto a PEC é discutida, o STF mantém sua competência sobre o caso Bolsonaro, e qualquer tentativa de redirecioná-lo à primeira instância enfrentaria não apenas obstáculos constitucionais, mas também críticas sobre a manipulação de regras processuais para fins políticos.