
Existe LGBT no campo: as histórias de quem enfrenta o preconceito e busca deixar de ser 'invisível'
Grupo rural tem menos acesso a saúde, educação e segurança. Entrevistados relatam também dificuldades para conseguirem emprego e para participarem de debates sociais. Existe LGBT no campo: as histórias de quem enfrenta o preconceito Considerados incapazes de trabalhar no campo, silenciados, com menos acesso a saúde, educação e segurança: tudo isso forma a realidade da comunidade LGBTQIA+ rural. Essa população precisa provar que existe. A falta de dados atualizados e oficiais dificulta entender quem são essas pessoas e quais são suas necessidades. Em 2022, um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que apenas 0,8% dos moradores da zona rural se declararam homossexuais ou bissexuais. Nas cidades, o número foi maior: 2%. Quando se trata dos povos tradicionais, a homofobia vem acompanhada de outros preconceitos, como o racismo. É o caso de Adda Vyctoria Caetano, quilombola transgênero que vê o seu trabalho sendo invalidado, simplesmente por ser quem é. O mesmo aconteceu com Jéssica Yakecan Potyguara. Ao se assumir lésbica, sentiu que não era mais ouvida nos debates sobre direitos territoriais e decidiu se afastar do movimento. Hoje, ela visita diversas aldeias para mostrar que existem indígenas LGBTs. Mas enfrenta ameaças e resistência de lideranças locais. O preconceito dentro da própria casa também marcou a vida de Odorico Reis. O influenciador conta que o pai o benzia todos os dias para “tirar o espírito mal”, que associava ao fato de o filho ser gay. Além disso, trabalhar na roça era visto como uma forma de deixá-lo mais “masculino”. Já o influenciador e produtor Ivan Rangel precisou sair do campo, pois sentia que ali não havia espaço para um homem gay. Hoje, de volta à lida com os animais, ele busca ser um exemplo de que é possível superar os preconceitos para ser quem é. Conheça mais dessas histórias abaixo. ‘Resistir para existir’ ‘Resistir para existir’: a luta de uma mulher trans quilombola contra o preconceito Adda Vyctoria Caetano se entendeu como uma mulher trans aos 10 anos de idade e já sabia que enfrentaria o preconceito em várias frentes: por ser negra, agricultora e trans. Hoje, aos 37 anos, ela é liderança do território quilombola Conceição dos Caetanos, no município de Tururu (CE). Isso não a deixa imune de ser tratada diferente dentro do quilombo. Por exemplo, no grupo de jovens que ela lidera: “Porque existe essa ideia de sexualidade, nesse sentido de que nós vemos os outros corpos masculinos só com desejo. Mas é o contrário: eu queria trazer os jovens da comunidade para um espaço onde eles tivessem o diálogo”, explica. O preconceito também está presente de forma estrutural: falta emprego, acesso a saúde, educação e segurança pública. Saiba também: Negros são maioria no campo, mas têm menos terras do que brancos Existe indígena LGBT Indígena lésbica percorre o Brasil e enfrenta ameaças em busca de visibilidade LGBT Jéssica Yakecan Potyguara, de 27 anos, é membro da aldeia São José, em Crateús (CE), Yakecan relata que, quando se assumiu lésbica, perdeu a sua voz dentro da comunidade. “Eu tive um tipo de apagamento quando eu me assumi. Muitas coisas ficaram difíceis para mim”, afirma a ativista. Em 2019, ela criou um coletivo de indígenas LGBTs com atuação em todo o estado. Com ele, Yakecan e outros membros passaram a visitar aldeias pelo Brasil. O objetivo é levar conscientização sobre a pauta LGBT e apoiar quem passa pelos mesmos desafios. Entretanto, essa missão não é fácil: nem todas as comunidades são receptivas. Com frequência o grupo é expulso e até mesmo ameaçado de morte. Trabalhar para ‘virar homem’ Odorico foi agredido pela família por ser gay. Hoje, luta contra o preconceito Quem vê Odorico Reis, de 33 anos, com seu chapéu rosa, shorts e salto alto tirando leite, tocando berrante, narrando rodeios e ao lado de celebridades ligadas ao agro, como Ana Castela, não imagina como assumir a sua sexualidade virou a sua vida de cabeça para baixo. Antes mesmo de se assumir, o pai usava a fazenda da família, em Buriti Alegre (GO), para tentar torná-lo mais masculino. Quando a verdade foi revelada, ele começou a acordar o filho, então com 18 anos, jogando água benta. Era para tentar expulsar o "espírito mal” que, segundo o pai, fazia Odorico ser gay. Sua mãe chegou a tentar se matar. Por causa da rejeição, Odorico também decidiu se suicidar. Entretanto, o ato foi interrompido pelo pai. “Meu pai bate na porta e fala assim: ‘Eu estou com você. Não faz isso’”, lembra. Leia também: Isolamento, longas distâncias, vergonha... o que impede mulheres de denunciar a violência e receber atendimento Ser gay ou da roça? Influenciador volta ao campo após sair por preconceito: 'Hoje sou quem eu sou' Para Ivan Rangel, de 32 anos, era impossível ser gay e trabalhar na roça. Ele nunca tinha visto alguém com esse perfil — e achou que teria que escolher entre um ou outro. Por isso, ele abandonou o campo e morou em diversas cidades pelo país. “Foi uma luta interna mesmo [...] Foi aí que virou a chave na minha cabecinha. Eu não me encontro em cidade. Eu me sinto ansioso e me sinto mal em vários sentidos”, relata. “Então, eu estava abrindo mão da minha essência, por ser quem eu sou, isso não está certo”, completa. Ivan também é influenciador e seus fãs o chamam de “agrogay”. No Instagram, ele tem quase 180 mil seguidores. O produtor se tornou a referência que ele mesmo sentiu falta quando se descobriu gay: ele conversa com outras pessoas na mesma situação e oferece acolhimento. Leia também: 'Apagou os planos das nossas vidas’: como clima extremo forçou produtores gaúchos a abandonarem o campo Áreas de arroz e feijão param de cair, após perderem espaço para soja e milho por 16 anos LGBT no campo Arquivo pessoal LGBT no campo Arquivo pessoal Veja também: Violência doméstica no campo: a saga de mulheres para denunciar agressões no meio rural